sábado, junho 16, 2007

ônibus e gabriela

Na rua, o vento que avermelhava o seu nariz cambaleava junto com as nuvens. E ela sentia o frio nos dedos, enquanto os fones de ouvido lhe incomodavam como sempre incomodaram. Pé por pé em passos pequenos por causa dos joelhos gelados, ela subia naquele ônibus que pegava todos os dias, se acomodava em um assento perto da janela que dava para o mar e esperava as músicas passarem por um shuffle que quase sempre lia seus pensamentos. Pessoas entram, a música muda, “quer que eu segure pra ti?” e as cordialidades matinais... Desconcentrava-se em idéias. E as idéias desconcertavam-na de um jeito que nunca havia sentido. Passava mentalmente o cheiro dos cabelos dele, o gosto de sua boca, a voz baixinha, a vergonha nos olhos. E naquele refúgio imaginava como seria se aquela manhã fosse azul.

“Eu gosto dele. Eu gosto dele”, pensou. E gostava tanto... Porque ele tinha olhos adocicados e um sorriso lindo que a deixava completamente petrificada. Principalmente porque ele era de uma fofura inexplicável que ela não conhecia. E ele abalou-a enquanto ela se segurava, depois de amores confusos e casos não-acabados. Ele abalou-a enquanto ela tentava se manter estável. Porque só ele conseguia surpreendê-la daquele jeito. “E cada vez que uma daquelas músicas toca, eu penso que ele pensa em mim. Seja em sonho, ou conscientemente, ele pensa em mim”. Ela refletia enquanto a música que tocava era uma daquelas. O shuffle sempre a favorecia, e ele pensava nela o tempo todo.

O ônibus pára. A música troca, e não é uma daquelas. Continuava escondida em sua cabeça, sem pretender sair de lá. Ela nunca gostara tanto de alguém em poucos dias. E ele a assustava com aquelas bonitezas repentinas... Aquelas delicadezas que não se espera, considerando o tempo, o pouco conhecer e o gostar prematuro que acontecia entre os dois. Aquelas coisinhas que se vê em filmes. “Aquelas coisinhas que se vê em filmes e eu nunca acreditava”, ela pensava. “Só pode ser mentira”.

Mais uma música, ela desce do ônibus e volta ao mundo cinza entrando em uma porta conhecida. A próxima música seria uma daquelas. E ele pensava nela. E não era mentira, era só...

... era só o improvável. Que aconteceu.

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Por Lis 12:49 AM
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sexta-feira, março 16, 2007

estudo n°1 sobre a natureza de uma mulher

Coisas das quais já havia se apropriado. Coisas inerentes à sua imagem, coisas que ninguém mudaria, coisas que a faziam ser quem era. O que a tornava interessante a fazia parecer desesperada. A mesa do almoço não era interessante sem aquela velha disputa por argumentos bem formulados. Cada pedaço de um polenta bem cozida era entremeado por opiniões sem molho.
As discussões se mostravam desafios maiores do que havia imaginado, e os seus argumentos, suas opiniões, suas convicções estavam começando a desaparecer. Aí ela usava um velho artifício, que aprendeu sozinha, mas que provavelmente está relacionado com alguma lei da evolução ou com a própria natureza do ser humano. Algo que provavelmente já existia quando os mais velhos artifícios foram criados.
Quando as reflexões de filosofia barata e os discursos sobre ética e moral não funcionavam mais, ela começava a mastigar uma qualquer coisa inexistente no canto da boca, já que isso lhe proporcionava um ar de superioridade inquestionável. Funcionava, até o truque ser descoberto. Ainda assim, ela continuava mastigando, na esperança de enganar a si mesma - pelo menos - . Isso quando a tal atitude embutida em sua personalidade competitiva não fazia rima com outros sinais igualmente irritantes. O leve erguer de uma sobrancelha, um olho mal-piscado e a expiração leve e descomprometida, como se o ar que passava por suas narinas dissesse "esse é o ar mais inteligente que você já conheceu".
Se o que quer que falasse não estivesse encharcado de razão, usava da velha mastigada para que assim parecesse. São os pequenos faz-de-conta que todos possuem. O simples fato de não acreditar em uma palavra que dizia lançava estímulos involuntários aos músculos da mastigação. E lá ia ela, mastigando.

Por Lis 4:27 PM
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terça-feira, janeiro 09, 2007

lã de pensamento de cristina - III

foi olhar para aquele palco.
e porque isso lembrava tanto teus olhos,
nada mais parecia certo.
há algo de incrível em mim,
perto do impossível,
que me permite amar mais do que eu devia.
se não fosse assim,
restaria de mim apenas os cabelos vermelhos,
as unhas mal-feitas,
as convicções fúteis,
e as futilidades que me importam.
restaria de mim apenas o que não me é verdadeiro.
foi olhar para aquele palco.
e porque isso lembrava tanto teus olhos,
fiquei incrível novamente.
perto do impossível.

Por Lis 10:23 PM
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sexta-feira, dezembro 15, 2006

Lã de pensamento de Cristina - II

Pela terceira vez, um ímpeto.
Desmedido e interessante.
De pegar aquelas mechas escuras e apertar entre os dedos.
Acho que tenho algum problema com cabelos.
Mas isso é o que menos importa.
Tenho cabelo em mãos,
e a delícia de sentir
- sejam eles de quem for -
que posso afagá-los sem pensar,
é bem maior que qualquer problema.
Será que tenho mesmo um problema?
Ou isso é so coisa da minha cabeça...

Por Lis 10:36 PM
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domingo, dezembro 10, 2006

trecho de (música)

you will need me, eventually.
'cause someday,
you'll realize i had the eyes
you'd like to see for your whole life.


enquanto isso, no lustre do castelo:
-passarinho, que som é esse?
-você sabe o nome dele?
-é o som do rafa fazendo uma músiquinha com esse pedaço de letra!!!

Por Lis 10:38 PM
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terça-feira, novembro 21, 2006

Pequenos poemas Infames - I

Poesia do dizbunda

-Bunda.

Por Lis 12:56 PM
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domingo, setembro 17, 2006

Quebra-à-beçA

Pois de manhã o sol arde mais. Ou já era meio-dia e o tempo não passou como devia? E ainda andavam pela calçada como se a comida nem tivesse caído no estômago, ainda. Mas podia ser de noite e hoje, apenas, eu me encontrava embaixo de um grande holofote no meio da rua.
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Em algum lugar daquela rua, ou de outra, depois de duas quebradas na esquerda, e uma na direita, estavam os sapatos. Espero que eles estejam dançando como ontem. Acho que eles não sabem como atravessar.
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Como se eu me importasse em ter perdido os sapatos, comecei a andar, mas como não lembrava mais onde ficava a direita, tentei entrar na praça e tropecei nos sapatos de alguém. Não eram os meus sapatos. A direita mudou de lugar, e o sol ainda está aqui.
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Uma pena eu ter que me encostar nesse lugar. As pessoas aqui só passam, e não fazem nem piada. Preciso aprender a fazer piada pra rir de mim. Vou me encostar na praça. A praça pelo menos tem pessoas engraçadas e feirantes mal-educados.
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Um bleft pow bum na minha frente. Dois caminhões. Finalmente algum espetáculo. Tomara que tenha sangue.
Estou sem meus sapatos de novo.
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você pode tentar montá-lo, se quiser.
resposta no próximo post, sim?

Por Lis 8:54 PM
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sábado, agosto 26, 2006

Lã de pensamento de Cristina - I

Fiquei sentada, inerte. Era saudade de um.
Mas fiquei com a voz de outro, soando.
Quase como se... Me perseguisse.
E por segundos tudo aquilo pairava, no silêncio. Pairava imóvel, na melancolia do vazio, que existia entre minhas entranhas.
Se há algo de inesperado no mundo, que venha logo. Cansei de prever com tanta antecedência as tragédias e confusões que hão de acontecer.
Venha, pois. Venha, simplesmente.
Senão ficarei novamente esperando que a surpresa me tome nos braços,
como daquela última vez,
e me deixe cair.
De novo.

Por Lis 1:35 AM
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3 mimimi

quarta-feira, agosto 16, 2006

Férias temporárias

Por preguicite aguda.
Umas palavras aleatórias,
para pegar novamente o hábito
de comer palavras.

Pode ser?

Por Lis 7:19 PM
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quinta-feira, julho 27, 2006

Sobram olhos?

Acho que não vou entender nada. Visão embaçada de tanto chorar e etc.
Mas vou no show do Chico, e é isso que importa.
Oh, céus, ó vida....
A-do-ro!

Por Lis 2:47 PM
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1 mimimi

domingo, julho 16, 2006

Em listra e xadrez

Cheguei em casa morta, desesperadamente morta.
Sobraram-me forças para chegar à cama, e o resto
- ínfimo -
de qualquer esforço
se concentrou em tirar minhas calças
e meu sutiã.

Tecnicamente,
dormi de camisa verde-musgo,
e calcinha cor de rosa
(de bolinhas pretas)

Não combino nem dormindo.
Tampouco o mundo combina comigo.

Acho que minha pele combina com a tua,
um pouco menos que minha cama
combinando tanto com meu cansaço.

Por Lis 6:51 PM
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quinta-feira, julho 06, 2006

E eu

Escrevo feito o vai e vem das ondas do mar, que não encontra começo, e vê fim em si mesmo. Tenho em mim o desdom de começar, uma capacidade imensa de esvaziar, e só.

O vazio anda lado a lado comigo.

Acho que apenas balanço entre as palavras, oscilando feito água-viva, ao léu dos lábios escritos, e sem leme algum para lingüística.

Deixo minha poesia escorrer ao vento, diluir-se por nuvens tão frias e ilusórias que até minha poesia deixa de existir. Uma vez fora de mim, nunca mais minha. Minha poesia é do horizonte: Quando o crepúsculo está de um lado, ela está lá no outro - distante e fujona -, pra onde ninguém olha ao deliciar-se com o pôr-do-sol.

Enquanto isso levo o vazio, que se arrasta rasgando minha saia.

- Me dá tua mão.

Enquanto isso, o vazio chora.

Sou babá das coisas pequenas – aquelas que todos gostam tanto de falar sobre. Sou babá dos beijos roubados. Cuidei por muito tempo de algumas pestes, como sorrisos, que sempre escapam quando ninguém está olhando. Sou babá da caminhada na chuva, a irmã mais velha da caminhada sábado de manhã.

Se quiser me chamar de poetisa, faça-o junto com minhas poesias, na calada da noite, longe de mim. O feminino de muitas coisas não me atrai - assim como certos sons secos -, nasci mulher pra aprender que sou poeta, e é assim que as coisas são, não insista!

E é tudo tão pálido por aqui... Como se a areia tivesse ido embora fazer as unhas dos pés, e o mar tivesse alisado os cabelos, e todas as pedrinhas que machucam os pés tivessem lixado suas pontas duras.

Apenas sigo o vai e vem das ondas. Quem sabe se em um dos vens não acho uma conchinha recheada com uma palavrinha deliciosa, pra depois soprar de mim o meu poetizar, e deixar, sozinha, flutuar em um dos vais?

Por Lis 8:32 PM
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terça-feira, julho 04, 2006

Um e único

Uma manhã fria. Um céu cinzento. Céu que parecia refletir a cidade a seus pés, com seus cumes quadrados. Cidade que parecia refletir o céu a tocar-lhe os dedos finos e compridos, a abarcar antenas e ondas, conversas em celulares, programas de tevê, e narradores esforçados. Pessoas nas ruas que não sorriam. Andares preocupados que cobriam as calçadas. Olhares vidrados que seguiam, em meio à frieza matutina, apenas os outros olhares, a vigiá-las.

Entre passos apressados e murmúrios de quem não dorme o suficiente, escuta-se a sinfonia urbana, com carros, clarinetes, construções e Chico Buarque ao fundo. Típica mistura de manhã de quarta-feira numa cidade medrosa de que o dia acabe.

Nos rostos, sorrindo, franzinos, cansados, falando animadamente o mais novo trabalho, estava estampada a mesma preocupação daqueles que sobrevivem. Sinais, confusão no trânsito, um turbilhão de pessoas e uma agitação derradeira de meio de semana.

Entrando
em um centro qualquer, uma porta de prédio se abre e revela um piso brilhante, quase molhado. As plantas também estavam cinza, e o sofá, marrom. A fumaça e o cheiro de cigarro que irritavam o porteiro ficam dançando os segundos que passam. Um elevador estéril, com espelho no teto, daqueles que não têm música, duas pessoas, três, quatro, cinco, doze andares. Três portas à esquerda e se chega naquilo que se chama casa. Uma casa suspensa nos ares. A porta é simpática, clarinha, entalhada, de fechadura dourada e simples. Não. Não existia tapete de boas vindas.

Por Lis 4:06 PM
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domingo, junho 25, 2006

O que sei

como os doces ficam mais brilhantes,
as palavras ficam mais doces,
e nós nos misturamos às palavras.
as coisas mais gostosas do mundo,
os sorrisos mais fofos,
mais gostosas e mais fofos que antes.
- se o doce antes da mordida já brilhava,
depois deve brilhar mais ainda -

e nós, perseguimos o vento.

Por Lis 7:25 PM
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sexta-feira, junho 23, 2006

Sojro

Eu sojro.
Tu sojras.
Ele sojra.
Nós sojramos.
Vós sojrais.
Eles sojram.

Entre a tese e a antítese, lá está sojro.
Sojro é o vácuo da lógica. Não respeita a lei da incerteza.
O sojro é a regra de ouro antieuclidiana e antiaristotélica.
Sojrarei. Sojrarás.
Sojro é um verbo que derivou de um substantivo que derivou de um adjetivo que derivou de um verbo que derivou...

- o criador da palavra e parceiro de divagações intraclasse:Rafael. -

Quero deixar bem claro:
Se tu és uma palavra, quero te comer.

Por Lis 8:16 PM
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